Direito à recusa de transfusão: evento discute a autonomia do paciente

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    Direito à recusa de transfusão: evento abre diálogo sobre autonomia do paciente
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    I Congresso Nacional de Direito Médico e da Saúde do IMKN reúne especialistas e pesquisadores em Curitiba

    Direito à recusa de transfusão: evento abre diálogo sobre autonomia do paciente
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    Nos dias 28 e 29 de novembro, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) sedia o I Congresso Nacional do Instituto Miguel Kfouri Neto (IMKN). Com o tema “Inovação, Ética e Justiça: Desafios no Direito Médico e da Saúde”, o evento se propõe a ser um espaço de reflexão aprofundada sobre temas atuais e complexos relacionados às questões legais que envolvem diversas áreas da saúde.

    Entre os temas de destaque, está a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que assegurou às Testemunhas de Jeová, adultas e plenamente capazes, o direito de recusar transfusões de sangue. O STF determinou que o Estado deve garantir alternativas terapêuticas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que isso exija recursos em outras localidades, respeitando a autonomia dos pacientes e seus princípios religiosos.

    O tema será abordado no painel “Autonomia do Paciente e Debates Bioéticos”, com a participação de Guilherme Rabello e Gabriel Massote. Coordenador do Programa de Patient Blood Management da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e membro da diretoria da Sociedade Iberoamericana de Patient Blood Management, Rabello discutirá o novo padrão da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o manejo do sangue do paciente.

    Em outubro de 2021, a OMS estabeleceu uma nova diretriz global voltada para o gerenciamento do sangue do próprio enfermo, oferecendo oportunidades para aprimorar os cuidados de saúde, com foco nas escolhas do paciente. A medida permite que os governos implementem políticas de manejo do sangue por meio de diversas abordagens terapêuticas. “Essa diretriz possibilita a adoção de alternativas já disponíveis no SUS, ampliando o leque de opções para os pacientes”, afirma Rabello.

    As decisões mais recentes no campo da saúde reforçam que os profissionais, especialmente médicos, devem respeitar as escolhas terapêuticas do cliente. “Por motivações religiosas ou pessoais, o paciente pode optar por tratamentos sem transfusões de sangue, um direito garantido pela autonomia do indivíduo e ratificado por decisões do STF”, explica o especialista.

    Essa mudança, segundo Rabello, fortalece o direito do paciente de optar por terapias que excluam transfusões, respeitando tanto sua autonomia quanto as recomendações da OMS. “Embora todo tratamento envolva riscos, o paciente tem o direito de escolher a abordagem terapêutica que considerar mais adequada, baseando-se não apenas no respeito à sua autonomia, mas também em melhores prognósticos clínicos e uma recuperação mais rápida”, enfatiza.

    No contexto do Patient Blood Management (PBM), modelo que prioriza alternativas às transfusões, o especialista destaca que os pacientes têm, atualmente, mais acesso a tratamentos livres de sangue. “Hoje, muitas especialidades médicas adotam protocolos clínicos que oferecem alternativas seguras e eficazes, ampliando as opções terapêuticas disponíveis para os pacientes”, observa.

    Rabello também destaca os benefícios das opções terapêuticas que não envolvem transfusões. “Esses tratamentos são cientificamente comprovados e baseados nas melhores evidências médicas. Além disso, são amplamente acessíveis, muitas vezes com custo similar ou até inferior aos tratamentos convencionais”, afirma. Para ele, a prioridade deve ser garantir que os pacientes tenham a liberdade de optar por essas alternativas, promovendo a adoção dessa abordagem como o novo padrão de atendimento médico no Brasil e no mundo.

    Testemunhas de Jeová

    Presidente da Comissão de Direito Médico, Odontológico e da Saúde da OAB de Uberlândia (MG), professor da IGD (GO) e PUC-PR, Gabriel Massote analisa, no Congresso, a autodeterminação das Testemunhas de Jeová e o direito de recusa às transfusões. Segundo ele, ainda existe um grande preconceito na sociedade em relação a essa religião. “Há uma falsa premissa de que as Testemunhas de Jeová são indivíduos sem apego à vida, que recusariam tratamentos médicos mesmo quando isso poderia resultar em risco de morte, como se estivessen flertando com o suicídio. Essa narrativa é equivocada”, ressalta.

    O advogado adverte que, ao lidar com casos de recusa de transfusão por Testemunhas de Jeová, os profissionais de Direito devem compreender as nuances do tratamento, as razões da recusa e a disponibilidade de alternativas seguras. “As Testemunhas de Jeová formam uma comunidade cristã que valoriza a vida e segue princípios que promovem a saúde, incluindo hábitos de alimentação saudável, abstinência de álcool e tabaco, e um estilo de vida que prioriza o bem-estar. A recusa  em aceitar transfusões de sangue é uma decisão baseada em convicções bíblicas, que deve ser respeitada, mesmo que nem sempre seja plenamente compreendida”.

    Essa recusa, segundo Massote, não significa que eles preferem a morte; “pelo contrário, demonstra uma busca cuidadosa por alternativas que não envolvam a transfusão sanguínea. Essa distinção é crucial, pois as Testemunhas de Jeová estão ativamente em busca de tratamentos médicos alternativos e eficazes. Reconhecer e respeitar essas escolhas é essencial para promover um diálogo construtivo sobre suas práticas e crenças em relação à saúde”, enfatiza.

    Massote lembra que a Resolução nº 2.232 do Conselho Federal de Medicina permite a intervenção médica em situações de risco iminente de morte, mesmo contra a vontade do paciente, mas ressalta que essa prerrogativa não se aplica quando existem opções alternativas que não envolvam transfusões. Além disso, embora a recente decisão do STF favoreça a autonomia de adultos, no caso de menores, a jurisprudência brasileira ainda determina que o médico intervenha, especialmente em situações de risco de morte. Massote cita um caso emblemático ocorrido na Espanha, em que pais foram inicialmente condenados por homicídio ao respeitarem a recusa de um filho menor de idade. Posteriormente, a Corte Constitucional os absolveu, reconhecendo a figura do “menor amadurecido”. ”No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante maior proteção ao menor, e os médicos são orientados a intervir, mesmo contra a vontade do paciente jovem, caso seja necessário para salvar sua vida”, esclarece o advogado.

    Congresso gratuito tem vagas limitadas

    O I Congresso Nacional de Direito Médico e da Saúde é promovido pelo Instituto Miguel Kfouri Neto (IMKN), em parceria com o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e a Escola Judicial do Paraná (EJUD-PR). O evento reúne 36 renomados juristas, magistrados, advogados, médicos e outros profissionais da saúde em palestras que promovem um diálogo interdisciplinar sobre temas como responsabilidade civil médica, bioética, direito médico e inovações tecnológicas no setor da saúde.

    A programação inclui palestras, painéis temáticos e o lançamento da obra coletiva “Direito Médico e Bioética: Decisões Paradigmáticas”, coordenada pela presidente do IMKN, Rafaella Nogaroli, e pelo professor desembargador Miguel Kfouri Neto. “Esse congresso representa uma oportunidade única para atualização, aprendizado e troca de experiências sobre questões críticas e emergentes que impactam tanto o Direito quanto a Medicina. Além de abordar desafios práticos e teóricos enfrentados no dia a dia por operadores do Direito e profissionais da saúde, o evento promoverá debates sobre novas tecnologias — como inteligência artificial, engenharia genética e reprodução assistida —, trazendo também discussões sobre a judicialização da saúde e os avanços jurídicos e bioéticos na proteção dos direitos dos pacientes”, adianta Rafaella.

    As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site do IMKN. No portal, também está disponível a programação completa do evento, que será 100% presencial. As vagas são limitadas à capacidade do Tribunal de Pleno do TJPR, que comporta até 400 pessoas. Em alinhamento com a função social do IMKN, será solicitada, na entrada, a doação de 5 kg de alimentos não perecíveis, que serão destinados a instituições com projetos sociais.

    Serviço

    I Congresso Nacional de Direito Médico e da Saúde do IMKN

    Tema: Inovação, Ética e Justiça: Desafios no Direito Médico e da Saúde

    Data: 28 e 29 de novembro de 2024

    Local: TJPR (Rua Prefeito Rosaldo Gomes Mello Leitão, Centro Cívico, Curitiba/PR)

    Horário: 9h às 12h / 14h às19h

    Entrada gratuita (doação de 5 kg de alimentos não perecíveis)

    Vagas limitadas

    Inscrições e informações: www.imkn.com.br

     

    Programação

     

    DIA 28/11

    9h às 9h30

    PAINEL DE ABERTURA

    Mesa presidida por Igor Mascarenhas

    LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN

    Presidente TJPR

    MIGUEL KFOURI NETO

    Presidente Honorário IMKN

    RAMON DE MEDEIROS NOGUEIRA

    Diretor EJUD

    RAFAELA MATTIOLI SOMMA

    Diretora EMAP

    ROMUALDO GAMA

    Presidente CRM-PR

    RAFAELLA NOGAROLI

    Presidente IMKN

     

    9h30 às 10h

    PALESTRA MAGNA: Decisões judiciais em responsabilidade civil médica

    MIGUEL KFOURI NETO

     

    10h às 11h

    PAINEL II–DIREITO MÉDICO E NOVAS TECNOLOGIAS

    Mesa presidida por Fernanda Schaefer

    RAFAELLA NOGAROLI

    Transvaloração dos deveres de conduta médica em sistemas de Inteligência Artificial

    GEORGHIO TOMELIN

    Dados e algoritmos em saúde

    GRAZIELLA CLEMENTE

    Aspectos ético-jurídicos em engenharia genética

     

    14h às 15h30

    PAINEL III–ASPECTOS PROCESSUAIS E PROBATÓRIOS NO

    DIREITO MÉDICO

    Mesa presidida por Patrícia Bortolotto

    GUILHERME DENZ

    A importância da perícia médica na resolução de litígios

    CLAYTON MARANHÃO

    Direito de acesso aos medicamentos nos precedentes das Cortes Supremas

    RUY ALVES HENRIQUES FILHO

    Identificação dos precedentes judiciais no direito médico

     

    16h às 17h30

    PAINEL IV–DEBATES CONTEMPORÂNEOS EM RESPONSABILIDADE MÉDICA

    Mesa presidida por Alexandro Oliveira

    WENDELL LOPES

    A culpa médica à luz da jurisprudência dos Tribunais brasileiros

    EDUARDO DANTAS

    Responsabilidade médica e os desafios na era da informação e da tecnologia

    RITA TARIFA ESPOLADOR

    Responsabilidade civil médica em reprodução assistida

     

    17h30 às 19h

    PAINEL V–MED TALKS: DECISÕES PARADIGMÁTICAS

    Mesa presidida por Juliano Ralo e Tertius Rebelo

    PATRÍCIA RIZZO TOMÉ

    Responsabilidade civil do Estado em decorrência das reações adversas causadas pelo uso de vacinas

    CAMILA KITAZAWA CORTEZ e NATASHA REGINA NEVES GELINSKI

    Responsabilidade civil por ato de terceiros das empresas médicas

    ANDRESSA JARLETTI

    Aplicação da Teoria do Desvio Produtivo na responsabilidade civil médica

    VITOR CALLIARI REBELLO e LETÍCIA DE OLIVEIRA BORBA

    Responsabilidade civil do fornecedor por medicamentos defeituosos

    BRUNO MARGRAF ALTHAUS

    Tratamento Home Care e os critérios para cobertura nos planos de saúde

    MAYARA MEDEIROS ROYO

    Responsabilidade civil das clínicas de reprodução humana assistida pela comoditização de gametas femininos

    PATRÍCIA BORTOLOTTO

    A Distribuição de responsabilidade civil entre o cirurgião-chefe e o médico anestesista

    MARINA RANGEL DE ABREU IEDE

    Incidentes de segurança com dados pessoais sensíveis em estabelecimentos de saúde

     

    DIA 29/11

    9h às 10h30

     

    PAINEL V –AUTONOMIA DO PACIENTE E DEBATES BIOÉTICOS

    Mesa presidida por Antônio Lopes

    GUILHERME RABELLO

    Transfusões de sangue e o “novo padrão” da OMS: do PBM ao foco no paciente

    ROBERTO LUIZ DA SILVA

    Transplante de medula óssea sem uso de hemocomponentesexperiência brasileira

    GABRIEL MASSOTE

    Autodeterminação das Testemunhas de Jeová na recusa às transfusões de sangue

    TADEU THOMÉ

    Aspectos éticos e bioéticos dos xenotransplantes

     

    10h30 às 12h

    PAINEL VII–MED TALKS: DECISÕES PARADIGMÁTICAS

    Mesa presidida por Juliano Ralo

    FERNANDA SCHAEFER

    Responsabilidade Civil por falha do dever de informação na prestação de serviços de fertilização in vitro

    GIOVANA PALMIERI BUONICORE e JOSÉ AMÉRICO P. CARVALHO

    Remoção ilegal de órgãos e responsabilidade penal do médico

    NATHALIA RECCHIUTTI e FERNANDA RIGHETTO

    Aspectos bioéticos e jurídicos da morte encefálica

    ANTÔNIO LOPES

    Manutenção das condições assistenciais e de custeio do plano de saúde aos beneficiários inativos

    CAROLINA MARTINS USCOCOVICH e MAITÊ PINHEIRO MACHADO

    Reajustes de planos de saúde à luz do Estatuto do Idoso

    BIANCA BRAGA PLINTA

    A judicialização na saúde suplementar e o acesso aos medicamentos sem registro na Anvisa

    MILENE LIMA ACOSTA

    O debate sobre a taxatividade ou exemplificatividade do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS

    ANA CLAUDIA PIRAJÁ BANDEIRA e CLÁUDIO JOSÉ FRANZOLIN

    Telemedicina e a relação médico-paciente

    CAROLINA SILVA MILDEMBERGER e KARENINA TITO

    Publicidade médica na era digital e o médico influenciador

     

    14h às 15h30

    PAINEL VIII–PERSPECTIVAS DAS DEMANDAS EM SAÚDE SUPLEMENTAR

    Mesa presidida por Rosângela Zuza

    JORDÃO HORÁCIO

    A assistência farmacêutica e a saúde suplementar: desafios e perspectivas na era da judicialização

    ISADORA CÉ PAGLIARI

    Saúde suplementar e os desafios na judicialização dos tratamentos home care

    DANIEL GUESSER

    Atuação do Nat-Jus no apoio técnico aos magistrados em demandas no setor da saúde

    RAFAELA MARI TURRA

    A necessidade de construção de protocolos para cumprimento das decisões judiciais em saúde suplementar

     

    16h às 19h

    LANÇAMENTO DO LIVRO

    DIREITO MÉDICO E BIOÉTICA–DECISÕES PARADIGMÁTICAS

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